“O ano foi difícil”, avalia a prefeita de Natal, Micarla de Sousa, sobre os primeiros onze meses de gestão frente ao Poder Executivo da capital. Em entrevista à Tribuna do Norte, a presidente estadual do Partido Verde atribui à avalanche provocada pela crise econômica mundial as dificuldades enfrentadas, sobretudo na saúde. A expectativa, enfatiza, é fazer com que os investimentos voltem à condição de protagonistas. “Eu tive que priorizar o pagamento de pessoal e custeio com os recursos que tínhamos. O principal desafio foi ter dez panelas e uma tampa só”, reforçou a prefeita.
Micarla de Sousa também pontuou o cenário onde se encaixa o seu partido, o PV, no atual quadro da política potiguar. Ela não se coloca em trincheira oposta à governadora Wilma de Faria (PSB), mas deixa claro que a condição de aliadas faz parte do passado. O recente episódio que dispôs sobre a redistribuição de ICMS aos municípios potiguares, frisou, foi visto com decepção. A prefeita de Natal disse que é natural apoiar e ajudar a consolidar candidaturas de quem dividiu seu palanque durante a campanha de 2008. Durante a entrevista à reportagem da TN, a prefeita falou ainda sobre o não repasse dos recursos do Fundo Previdenciário, por três meses deste ano, sobre administração e eleições 2010. “O PV não anuncia posição este ano”, garantiu.
Entrevista - Micarla de Sousa - Prefeita de Natal
Ao se aproximar do fim deste primeiro ano da administração, qual o balanço que é possível fazer?
Foi um período difícil. Bem mais duro do que eu estava imaginando. Quando participei da campanha política e coloquei meu nome como candidata à prefeita de Natal, não havia a crise que passou a existir no mundo a partir do dia 6 de outubro, quando houve a quebradeira geral, a partir do momento em que a bolha da especulação imobiliária explodiu nos Estados Unidos, um dia após a minha vitória. Ainda estava comemorando todo aquele trabalho, quando a gente ficou sabendo que aconteceu o crash no mundo inteiro. A partir dali toda a questão da economia mundial mudou. O Brasil faz parte deste bolo. O Brasil faz parte deste planeta chamado Terra. E nós sofremos. É obvio que no momento da retração os municípios brasileiros acabaram pagando o pato. Inegavelmente, sofrem a pior crise financeira dos últimos 10 ou 12 anos. Então. naquele primeiro momento, todo o plano de governo e planejamento foram em cima de um quadro e um momento no qual a cidade tinha uma situação financeira muito mais tranquila do que nos dias de hoje. Nós sofremos com uma crise financeira e também por estarmos fazendo uma sucessão de administrações que faziam parte de um mesmo grupo político. Isso fez com que começássemos do zero mesmo. Agora o que posso dizer é que este ano foi de muito aprendizado. Eu aprendi que o gestor deve sempre estar pronto para o que vier. Para os momentos bons e ruins. No final das contas estou satisfeita com o que realizamos ao longo deste ano.
Qual foi o principal desafio?
O principal desafio é ter dez panelas e uma tampa só. É não ter os recursos suficientes para fazer valer as nossas ideias, os nossos sonhos, o que foi programado. Qualquer cidadão faz esta conta em casa: Se você recebe mil reais, e passa a receber 700, perde 30% e alguma coisa vai deixar de fazer. Normalmente o que deixa de fazer é investimento. Vai dar um jeito de comprar a alimentação, a luz, a água, mas adia os planos de uma reforma, de comprar um sofá novo... O que fizemos na cidade, neste primeiro momento, foi investir em pessoal, no pagamento de pessoal. O difícil neste primeiro ano foi o que fazer com o pouco disponível.
E onde a prefeitura conseguiu mais avançar nesse primeiro ano?
Eu diria que principalmente na educação. Projetos como o merenda em casa, que é um complemento alimentar distribuído nas sextas-ferias às nossas crianças que não estão na margem de evasão; e a caravana da saúde escolar, que vai até as escolas fazendo exames médicos e distribuindo óculos e aparelhos auditivos a quem precisa. É interessante que esses dois programas melhoraram a capacidade das crianças de aprender, porque não adianta ter o melhor professor, se a criança está com fome, não enxerga e não ouve direito. Além disso, trabalhamos na questão do fardamento e do material completo. Para o próximo ano vamos investir ainda mais na gestão escolar e nos professores.
Como lidar com tantos investimentos e tanta responsabilidade na execução de tantos projetos, algo inédito que trará a Copa do Mundo?
Nossa cidade vai ter a possibilidade única de ter um choque de desenvolvimento. Se não fosse a Copa certamente não conseguiríamos recursos da ordem de 386 milhões de reais para obras de mobilidade urbana, por exemplo. Quando isso seria possível se não fosse a Copa? O pró-transporte, que foi a maior obra entre os governos federal e estadual, de 60 milhões, está andando a pelo menos quatro anos. As da Copa têm data para começar e para terminar. Além disso, o mais importante é que quando o evento acabar ninguém vai ter como botar as coisas embaixo do ombro e ir embora. Vai ficar tudo aqui. Nós teremos ainda investimentos do Governo com financiamento da ordem de 1 bilhão de reais, quase o nosso orçamento anual. Fico feliz e estou ansiosa para que tudo comece.
Não há uma preocupação dessas obras estarem muito concentradas em uma região da cidade?
Esse projeto (mobilidade urbana) pega de norte a sul da cidade. Em relação a Ribeira, cidade Alta e praias urbanas essas vão entrar nos recursos do turismo.
No caso da Saúde, a senhora teve que substituir secretários neste primeiro ano, um aliado fez críticas à gestão do setor, há postos fechados... Esse é o setor mais vulnerável?
Não... Essa é a área mais difícil, porque assim o é para todo o Brasil. Todas as vezes que estou com o ministro José Gomes Temporão (Saúde), com a governadora Wilma de Faria e outros governadores, prefeitos de capitais, de cidades pequenas, sempre que se chega a esse assunto Saúde tem aquele silêncio imediato. O país todo sofre com esse problema. Se estivéssemos aqui falando sobre prevenção seria uma coisa, mas estamos falando de pessoas que adoecem e precisam de atendimento médico. Então, é um problema de doença e não de saúde. A saúde foi o maior desafio que enfrentamos neste ano. Nessa área, você arruma um posto de saúde, mas tem dez que precisam de ajuda. Não existia no orçamento valores referentes à manutenção nem reforma das unidades. Tudo isso foi construído num orçamento que não foi preparado por nós, mas foi remontado para atender questões como reforma e adequação de unidades de saúde. Nós tivemos, também, logo no início, o problema dos medicamentos. Foram dez milhões de medicamentos que foram para o lixo, porque estavam com prazos vencidos. Mas não quero ficar voltando ao passado. Além disso, eu tenho o que dizer de vários avanços. Para mim, o maior avanço foi mostrar à sociedade natalense que uma unidade de referência como o Sandra Celeste voltou a funcionar. Ela voltava a funcionar em outra unidade e hoje é referência. Mas veja, foi feita para atender uma média de 200 crianças por dia. Por causa do bom atendimendo do Sandra Celeste, o que acontece é que neste último mês chegamos a receber 600 crianças por dia. A maior parte vindas de cidades do interior do estado, então é difícil pensar em resolver o problema da saúde de Natal enquanto não resolvermos o problema ao menos da região metropolitana. Nós conseguirmos, com o apoio do deputado Henrique Eduardo e do senador Garibaldi Filho, duas unidades de pronto atendimento 24 horas, uma delas vai atender 500 pessoas por dias e outra 300. Outras duas vão ser implantadas em Natal até o meio do ano que vem. Isso vai fazer por onde nós tenhamos um cinturão em Natal de atendimento de urgência e emergência com uma média de atendimento de 1500 pessoas por dia. Adianta Natal fazer isso? Lógico que adianta. Mas se não tivermos um cinturão em Macaíba, São Gonçalo, Parnamirim, que permita que as pessoas também sejam atendidas, fatalmente nossas unidades de pronto atendimento estarão lotadas de pessoas vindas do interior e quem paga o preço final é o povo de Natal.
A alta demanda de Natal por serviços públicos e obras foi argumento contra o projeto de redistribuição de ICMS, mas os municípios menores alegam que também precisam dos recursos.Há uma solução para esse impasse?
Nessa questão do ICMS, o que mais me entristece é que foi fomentada uma guerra entre municípios irmãos. Uma coisa é um município ser rico e outro ser pobre. Essa não é a realidade do nosso Estado. Estamos na mesma situação. No problema econômico e financeiro por conta da queda da arrecadação, do ICMS, somos todos iguais. Natal arrecada mais e pode parecer mais rica, mas não é. Natal arrecada mais, porque tem muito mais gente vivendo em Natal. E as pessoas que vêm do interior, utilizam nossos serviços de saúde. Eu não posso dar um quilo de feijão, se na minha casa só tem 100 gramas para minha família. Como vamos abrir mão de R$ 20 milhões, sendo que R$ 5 milhões aproximadamente são para Educação e 3 milhões para a Saúde? No próximo ano, vamos receber mais 900 crianças de creches que serão fechadas pelo Meios. Nós nem estamos cobrando um aumento ou compensação do ICMS que caiu. Estamos apenas pedindo que esses valores cheguem aos municípios sem penalizar os 19 maiores.
Chegaram a comentar que a senhora poderia figurar como “salvadora da pátria” se acatasse a proposta que resolveria os problemas de 147 municípios menores, como acatou um projeto semelhante a então prefeita Wilma de Faria em 1997...
Em 1997, quem era o governador do Estado? Garibaldi, não é? Se não me engano, Garibaldi era aliado de Wilma. Quem era o presidente da República? Fernando Henrique Cardoso? Qual era a relação dele com a governadora? Então, administrar uma cidade com entes federal e estadual como aliados é uma situação... Eu não tenho essa sorte. Estamos buscando construir uma parceria, que verdadeiramente não chegou a se concretizar. Tivemos agora com o governo federal, assim como as outras 11 cidades sedes da Copa, para conseguir recursos no que diz respeito à mobilidade urbana. Cinco bilhões de reias que o governo está dividindo com as cidades sedes. Conseguimos também R$ 12 milhões para obras do Maruim. Com relação ao governo do Estado, há parcerias que começamos, mas não existe nada de concreto. Então, cada tempo é um tempo. Em 1997, o Brasil estava passando por um outro momento economicamente, com o Real. Mas não há queda de braço. Somo cidades irmãs. Se a capital quebra, o Estado perde, os demais municípios são afetados. Por isso, nessa questão do ICMS, não abrimos mão. Há fórmulas de fazer isso (beneficiar os menores município), sem haver vencidos, nem vencedores. Agora, é estranho a bancada governista ter ido com tanta sede. O deputado Wober Júnior, que encabeçou, a deputada Márcia Maia terem ido com tanta sede (na aprovação do parecer da CCJ, na AL). A governadora tem como principal base a cidade de Natal, é mossoroense, tem raízes no Seridó. São cidades afetadas. Eu Senti falta da cidadã, mais do que da política Wilma de Faria (a entrevista foi feita na última quinta-feira, antes do Governo se pronunciar sobre o assunto).
Ao mesmo tempo em que se busca uma pareceria administrativa entre Governo e PMN, a parceria política está cada vez mais distante?
Isso aí parte do pressuposto de que fazemos política com quem tem pensamento semelhante, com pessoas que ajudam e podem agregar. Política se faz com gente que quer ajudar, que quer ver sua carreira ascendente. Política se faz entre pessoas que se querem bem. É isso que tenho buscado. Uma parceria administrativa é fundamental para uma parceria política. Como você pode justificar: “Olhe estou fazendo aqui uma parceria política com Fulano, mas ele não ajudou a cidade...”. Como iria justificar ao eleitor? E parceria administrativa, diga-se, nem sempre significa caneta na mão. Você pode ser um parlamentar e ajudar. Pode nem ter mandato e colaborar. Então, a parceira política vem depois da administrativa.
A prefeita tem recebido, então um tratamento de adversária por parte da governadora?
Eu não diria de adversária... Seria por demais forte. Mas existem alguns passos que poderiam ter sido dados. A governadora em alguns momentos fala: “Micarla, o que a prefeitura deseja do Governo?” Eu digo que o Governo pode ajudar em tudo e, se não quiser, em nada. Até agora, o que estamos sentindo é que há uma boa vontade por parte do Governo, mas isso não tem se traduzido em ações concretas.O seu governo deixou de repassar por três meses os recursos do Fundo Previdenciário.
Como está a representação em trâmite no Ministério Público?
Nós já apresentamos todos os documentos. Algumas pessoas tentaram colocar como se nós tivéssemos tirado alguma coisa do Fundo, mas em nenhum momento houve qualquer autorização para isso. Nós tivemos alguns meses de extrema dificuldade, onde ou se pagava o funcionário ou se pagava a previdência. Em alguns meses isso foi feito, mas já foi totalmente reposto. Infelizmente esse não foi o modelo que ocorreu em outras gestões. Nós já entregamos todos os documentos ao MP e eu acredito que o processo será arquivado.
O pagamento do 13º está garantido?
A duras penas vínhamos juntando e eu acredito que antes do dia 20 nós vamos estar podendo fazer esse repasse do 13º.
É possível já anunciar uma data?
Não, mas eu acredito que será antes do dia 20.
A senhora disse que foi muito tempo na prefeitura com o mesmo grupo político. É possível transpor esse raciocínio para o caso da eleição agora do governo do Estado?
Essa é uma eleição diferenciada. É a do fim de uma Era, como aconteceu na Prefeitura. Os grandes... Diga-se de passagem as famílias Maia e Alves e a governadora Wilma de Faria, que veio a partir da família Maia e terminou criando o seu próprio grupo. O fim dessa Era aconteceu com a minha vitória. Se analisarmos, na eleição do ano passado não existiam os sobrenomes conhecidos da política no grupo que me apoiou. Agora é uma nova etapa desse fim. Nós não vamos ter os nossos líderes mais conhecidos sendo candidatos ao Governo e isso é algo ultra-novo. A nossa política certamente começa a se reorganizar em torno de novos nomes. Nem sempre de novas pessoas e novos personagens. Podem ser políticos que já estavam na militância e não tiveram chances de concorrer porque os líderes estavam ali.
Como o PV está se posicionando dentro da discussão?
Estamos acompanhando. Nós temos um desafio muito grande que é o de poder administrar a primeira capital brasileira. A maior parte dos companheiros do Partido Verde está totalmente envolvidos com esse intuito. Falamos de política, mas esse não é o principal nesse momento. Junto à Brasília nós temos o compromisso de eleger o nosso primeiro deputado federal e manter a nossa bancada de três deputados estaduais.
A prefeita de Natal continua tendo apenas um candidato em chapa majoritária que é o senador José Agripino?
Com certeza. Por tudo que ele construiu conosco na nossa eleição e por ter sido o primeiro a acreditar no nosso projeto.
A senhora ainda acredita na possibilidade de uma terceira via?
Eu acredito que tudo é possível nessa eleição. Tem Rosalba com um percentual eleitoral muito consistente e Robinson que sem ter o apoio de ninguém continua nos 15 pontos. Isso é algo que não pode ser jogado fora. Ele tem que ser, no mínimo, ouvido.A senhora não falou de Iberê...Eu tenho uma condição que faz com que eu seja mais favorável a candidatura de pessoas que estiveram mais próximas a mim na eleição. O contrário disso, somente se houver algum fato relevante que faça com que eu tome outra atitude. É natural que eu esteja no palanque de quem acreditou em mim.
A presença na chapa majoritária é pré-requisito para o PV apoiar um candidato ao Governo?
Eu diria que não é condição preponderante, mas nós vamos lutar por isso.
A senhora destacaria algum nome que pudesse compor esse espaço em uma chapa majoritária?
Se comenta sobre indicação de Paulo Wagner e Miguel Weber...Nós não colocamos esse ponto de candidaturas. Miguel (Weber, marido da prefeita) está organizando a candidatura de deputado federal e Paulo (vereador Paulo Wagner), embora venha sempre surpreendendo, tem dito que é, antes de tudo, um militante do partido, então não há nada definido.